quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Jornalistas X marqueteiros


Com o início da propaganda eleitoral na televisão e no rádio, começa uma segunda batalha, à sombra do embate principal que é a disputa entre os principais candidatos aos cargos de presidente, governador, senador e deputado. São as escaramuças verbais entre jornalistas e marqueteiros, uma briga que já se inicia com desvantagem para os segundos, cujo nome, por si só depreciativo, diz muito sobre os primeiros, se a gente lembrar, a tempo, que foram eles que batizaram os adversários assim. Jornalistas de um lado, com uma suposta respeitabilidade, uma presumível credibilidade e um não menos imaginário talento para revelar o que se passa na cabeça da sociedade. Marqueteiros de outro, com esse nome com cara de apelido maldoso, essa aura de manipulador maquiavélico da opinião pública e aqueles invejados arroubos de poder, em muitos casos bem menores do que eles próprios fazem questão de transparecer.

Jornalistas têm por hábito – e por um certo imperativo blasé da profissão – tratar o estrategistas de comunicação dos candidatos como subprodutos do mercado eleitoral. Os marqueteiros seriam demônios que, assim como seus programas eleitorais gratuitos, ocupam o espaço da programação de canais que poderiam estar faturando com suas atrações normais. Não ocorre aos jornalistas que o pior programa eleitoral gratuito, o mais tosco ou mais mentiroso, pode ser sim uma janela para a democratização de um meio – televisão e rádio – que deveria estar à disposição de todos os candidatos, de todos os segmentos da sociedade, e não apenas dos interesses empresariais (e também políticos, por conseqüência) dos donos das emissoras que, por sinal, empregam aqueles mesmos jornalistas que se julgam superiores aos marqueteiros.

Para os jornalistas, além de ocupar com atrações indignas os horários nobres da televisão, o marqueteiro procura mostrar o candidato com uma imagem que não corresponde à realidade. Por esse pressuposto, deduz-se que o jornalista, este sim, expõe o candidato em toda sua transparente verdade. Joga luz sobre suas contradições, persegue sua biografia política e pessoal, desmente suas promessas inexeqüíveis, questiona suas ligações políticas. Isso acontece, sim – mas os jornais e revistas estão cheios de exemplos de jornalista fazendo tudo isso quando se trata de apenas um candidato específico. Basta o leitor se interrogar sobre o porquê de não haver a mesma lupa microscópica apontada para todos eles e o partidarismo do dito veículo de comunicação fica exposto em praça pública. E se é assim, o jornalista não tem, de fato, legitimidade para contestar a credibilidade do marqueteiro a quem tenta desmascarar.

Então, melhor do que tentar tingir com cores menos límpidas a imagem de quem trata da imagem dos outros é o jornalista descer do altar onde há tempos não fica bem na pose de santo e admitir que pode aprender com o marqueteiro bossal e deslumbrado a quem tanto despreza. Como? Pra começar, admitindo que o bom marqueteiro – assim como há jornalistas bons, maus e mais ou menos, também há marqueteiros assim classificáveis – tem, se não o talento, ao menos o esforço de tentar entender o que se passa na cabeça da média das pessoas. E esse entendimento não é importante apenas para projetar nos discursos do candidato a realização desses anseios, mas também para compreender a percepção que a população tem do momento político, do presidente, do prefeito, das instituições, da economia e, já que estamos aqui, da própria imprensa.

Com esses dados na mão, o jornalista poderia descobrir que a própria análise que ele faz do país e da sociedade num dado momento pode estar em rota de colisão com o que seus pares da vida real, do dia-a-dia comum, estão percebendo. Um dos dois – jornalistas de um lado, população em geral de outro – pode estar errado, lógico. O detalhe é que o mundinho do jornalista, embora se trate de categoria que louva o cosmopolitismo, costuma ser bem mais fechado do que aparenta. Se avaliar que está certo, estando errado, o jornalista corre ainda o risco de ser esquecido, tornar-se peça obsoleta na engrenagem analítica que processa informações procedentes e descarta as inócuas. Se essas afirmações lhe fazem lembrar o jornalismo brasileiro atual pode não ser por mera coincidência.

E o marqueteiro, gênio do mal que se vende ao dinheiro do candidato? Pra começar, ele precisa, depende, alimenta-se da capacidade de saber ler o que a sociedade pensa, sem predisposição de tender para um lado ou para outro. Simpatias à parte, quando ele se “vende” ao candidato, tem de estar ciente do que percebe, transversalmente, o eleitorado, tanto faz se levará ao palanque um discurso oposicionista ou situacionista. Mas, ao contrário do outro, ele não faz isso por trás de uma cortina de falsa e conveniente correção política. Depois, tem, obrigatoriamente, a humildade de descer ao nível do povão – e se não o fizer, provavelmente vai se arrebentar junto com o candidato.

A soberba do marqueteiro, que também existe, deve ser só da boca pra fora, na vitrine da entrevista na tevê. O verdadeiro marqueteiro só se vende, como imagem de sucesso – incluindo o costumeiro deslumbramento de suspensórios e a habitual breguice de fã de briga de galo – na medida em que está em público. Em privado, precisa ser manso e curvar-se ante o que o brasileiro em geral aprecia ou rejeita. Precisa até comungar um pouco disso. A sofisticação definitivamente não combina com esse ofício e talvez por isso o melhor marqueteiro do país pareça tão brega ao olhar do jornalista.

Nelson Rodrigues dizia: “Jovens, envelheçam”. Aos senhores de marketing político de extração mais refinada, poderia-se dizer, no mesmo tom: “Marqueteiros, popularizem-se”. Já àquela outra categoria que costuma se proteger por trás dos aquários de redação o recado poderia ser outro: “Jornalistas, peçam perdão”. Enquanto é tempo.

* Publicado no Novo Jornal (Natal-RN)

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