sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Dr. Smith venceu o debate


Nem Serra, Dilma ou Marina. Quem “venceu” o debate presidencial da Band, o primeiro desta campanha eleitoral, foi Plínio Sampaio, do PSOL, com sua inesperada performance de Dr. Smith cínico, irônico, atrevido e como tal muito divertido, absolutamente televisivo, que exibiu na noite de ontem. Enquanto Dilma traía seu mais do que esperado nervosismo de quem não tem mesmo experiência neste tipo de embate, Serra tentava visivelmente controlar seus rompantes de soberba supostamente esclarecida e Marina apresentava uma atuação muito aquém do que muita gente espera dela, Plínio “Dr. Smith” Sampaio deitava e rolava nos poucos minutos a que tinha direito, tirando a sisudez do debate com piadas de CQC e provocações do tipo Pânico na TV. Ninguém entrou em pânico com isso, claro, o que também contribuiu para um debate bem, digamos, elevado, mas foi impossível, em se tratando do que é sobretudo um programa de televisão – é bom não esquecer isso – não se deixar impressionar pela presença quase surreal daquele que seria apenas um figurante no palco da sucessão presidencial em curso.

Dizendo assim até parece que eu me decidi por votar no candidato do PSOL depois de assistir ao debate de ontem. Nada mais equivocado. Acontece que o debate é, como disse há pouco, sobretudo um programa de televisão. Um programa que tem o poder – exagerado, como já se viu tantas vezes – de decidir ou afetar fortemente o resultado de uma eleição vital como é a de presidente da República. Não deveria ser assim, já que a apresentação pura e simples daquilo que a gente chama de “propostas”, mas também, em contexto menos valorizado, pode ser chamado de “promessas”, não resume nem antecipa o que pode ser a gestão do eventual eleito. O tal “programa do candidato”, termo agora entendido como um conjunto de propostas para o país, é apenas um dos indicativos. É preciso cruzá-lo com outras variáveis, como a atuação pretérita do candidato, seus aliados de ontem e de hoje, seu nível de, digamos, “honestidade intelectual”, sua visão de política, governo e mundo – algo que, de uma maneira ou de outra, o eleitor atento acaba sabendo filtrar entre as mil entrevistas que lê ou assiste do candidato em questão. Há ainda o aspecto “situação-oposição”, ou “continuidade-mudança” que os tucanos e aliados tanto tentam jogar pra baixo do tapete desde que o nome de Dilma começou a crescer. E que Lula tenta varrer de volta para o centro da sala com a mesma energia dos adversários.

Tudo isso atravessa os quatro ou cinco blocos dos debates presidenciais na televisão e, tanto quanto ocupa espaço na tela, deveria remeter a fatos que estão fora dela. Mas há um agravante especial, que é a exigência de um desempenho televisivo que dirá, apena pela competência e brilho da performance, que aquele candidato com melhor atuação será também o melhor presidente da República entre os postulantes apresentados. Nada mais falso, também. Vide Collor versus Lula e o fatídico debate de 89 que, mesmo sem a posterior edição criminosa feita pela Rede Globo na época, mostrava um Collor naturalmente muito mais à vontade diante das câmeras do que o Lula de então. Collor venceu o debate, ganhou a eleição e o resto todo mundo sabe. Então é preciso lembrar que a performance do candidato – e Dilma está sendo muito cobrada neste sentido, e a internet está aí para amplificar os deslizes de cada um dos participantes, ajudando a entortar ainda mais esta visão errada do que deve ser a campanha eleitoral – é um dado isolado, que afere apenas sua destreza verbal e visual. Por esse critério, não precisa nem de eleição: a gente indica logo William Bonner ou Fátima Bernardes para a presidência e estamos conversados.

Não estou dizendo tudo isso para justificar minha preferência, aqui bastante divulgada e conhecida, por Dilma, a quem defendo por representar a continuidade de um projeto de Brasil que prioriza os brasileiros mais pobres, acredita no crescimento do país com distribuição de renda e tem uma forte sintonia com as necessidades reais de grande parte da população. Acontece que outros debates virão, e virá principalmente “o” debate, aquele que é esperado como o acontecimento tão ou mais importante do que a última pesquisa e a eleição em si, que é o debate da Rede Globo. E, neste sim, se cobrará, como uma sentença de morte, o desempenho mais superior a cada um dos candidatos, especialmente Dilma e Serra, que estão à frente dos demais e em torno dos quais se dá o debate maior sobre os rumos do país. Pois é um engano: o contato que cada candidato, seja Dilma, Serra, Marina ou Plínio, tem com o conjunto da população nas caminhadas, visitas, comícios, todas os atos de campanha que não estão submetidos à intermediação da mídia, podem ser tão ou mais valiosos do que um debate que para o país diante da tevê. Porque é ali, na rua, na praça, no meio da comunidade, que o candidato realmente checa as condições de vida em que está o povo, a realidade infraestrutural do país, o desenho verdadeiro do Brasil com que terá de lidar. E o candidato que não tiver esta noção aprimorada na cabeça tende a tomar decisões erradas ou inúteis. Daí, por exemplo, a importância que teve para Lula aquelas “caravanas de cidadania” que ele realizou, por sinal, em campanhas eleitorais nas quais acabou derrotado por Fernando Henrique. Acredito que, além da biografia, grande parte da sensibilidade social do Lula de 2002 para cá vem daí, do seu conhecimento mais recente sobre como vive e o que quer, em termos de justiça e ascensão social, o brasileiro em geral. E de como é mais importante dar respostas a esse desejo com os instrumentos exeqüíveis do que se prender a injunções de caráter acadêmico sobre como mudar radicalmente a estrutura de poder no país. Chama isso de “pragmatismo” quem não precisa de seus efeitos para sair do lugar.

E se Dr. Smith, afinal, “ganhou “ o debate da Band, isso significa que, no contexto daquilo que é, apesar de sua importância, um programa de televisão – e penso que é assim que o público geral encara os debates, dentro do seu hábito de buscar assuntos na televisão para as conversas do dia-a-dia, por mais vital que seja a oportunidade de um debate – então fica fácil chegar a algumas conclusões finais. Primeiro, que se Plínio Sampaio, com sua galhardia, teve a melhor performance, nada garante que na cadeira presidencial ele apresentaria igual desempenho. Segundo que tal performance se deve ao fato de que Plínio, o menos comprometido com arcos de aliança – que, afinal, no estágio brasileiro atual, são inegavelmente importantes por conjugar interesses gerais e não causas particulares – fundou sua boa atuação no mero fato, para além do humor, de dizer claramente o que pensa. Uma transparência provocativa eficiente num meio de comunicação direto como a tevê mas que dificilmente teria espaço no campo minado de uma presidência da República destinada a realizar projetos sem botar tudo a perder em meio aos conflitos sempre decorrentes. Por fim, que Serra, com sua evidente gana de poder, Marina, com sua apatia inesperada, e Dilma, com sua tensão compreensível, podem ter sido muito mais verdadeiros do que Plínio com suas flechadas certeiras mas um tanto quanto irresponsáveis, na medida em que se trata de candidato sem nada a perder.

Não vou votar no Dr. Smith, mas me diverti bastante com sua presença no debate. Espero que ele esteja nos próximos, sobretudo no “debatão” da Globo, pra quebrar o clima, arejar a discussão – e também pra dar umas duras nos outros três candidatos, claro, que isso faz parte do jogo e dá um tempero extra às conversas dos brasileiros nos dias seguintes. Vou votar em Dilma, mas não desgostei de todo da performance de Serra, que pelo menos – e compreensivelmente – deixou o lado mais selvagem do enfrentamento para a sua porção Índio da Costa e sua versão panfleto apócrifo tipo revista Veja. Foi respeitável e respeitoso. Agora, se houve um candidato derrotado, pra mim foi Marina Silva, numa atuação repleta de academicismos vazios, sem apresentar, ainda que na condição de “proposta” ou “promessa”, qualquer novidade que já não esteja sendo posta em prática. Marina foi um borrão apagado no debate – talvez até pela desenvoltura de seu parceiro minoritário que foi o Dr. Smith. E essa sim foi a surpresa da noite.

3 comentários:

Roberta AR disse...

Só te digo uma coisa: “Perigo, Will Robinson, perigo!”

ana sua mana disse...

vc acertou na mosca, sebá, ele tava mesmo a cara do dr. smith! ( e eu que achava que vosmecê e cia. ainda estavam entre acari e pipa, descobri que já voltaram...pena. mas estão desculpados, o motivo da volta foi justo, justíssimo.). beijins em todos.

Marcya disse...

Acho que o dr. Smith deveria desisitir logo desse negócio de ser presidente do Brasil e se candidatar a uma vaga no CQC. Ia se dar bem mesmo...