quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Crônica do telemarketing


O dia em que esnobei um banco mundial pelo telefone - e ainda ensinei como ganhar dinheiro de verdade com este tipo de serviço

Acabei de atender uma ligação do Citybank. Parece coisa importantíssima, né? De fato, se eu entendi bem o texto que a operadora de telemarketing declamou daquela maneira automática como elas falam, queriam que eu me tornasse cliente. Vejam só: o Citybank ligando pra mim, pra meu telefone, perguntando se sou eu mesmo, me tratando de "senhor Sebastião Vicente", com uma polidez de robô, se oferecendo para que eu, esse caboclinho parelhense esquecido pelo tempo, entre para a sua dileta pasta de clientes.

Ah, o telemarketing! Um dia, acho que o telemarketing ainda vai nos salvar até do fogo dos infernos. Assim: você morreu, de preferência de velho, assim como J. D. Sallinger, e acordou na ante-sala do inferno, a um passo da eternidade propriamente dita, prontinho para torrar um a um a sua lista de pecados, assim como quem faz uma tatuagem dolorida como o cão para cada um dos deslizes terrenos. Lá está você, só esperando o assessor do capeta gritar: - O próximo! Eis que, na última hora, antes que você dê o derradeiro passo rumo à danação completa, o telefone toca (sim, porque hoje em dia, graças a Deus, celular pega até no inferno). Ainda meio abobadado como o dono daquele celular que toca no momento mais importante da reunião de trabalho, você atende e ouve a voz robotizada da operadora de telemarketing lhe oferecendo um "plano" baratinho para lhe livrar do fogo dos infernos.

Mas tenho umas sugestões a fazer aos gerentes desses tão estimados serviços. Na ligação que recebi agora há pouco, tive certa dificuldade de entender exatamente as palavras que me dizia a operadora do City - acho que, uma vez tendo sido convidado para integrar a carteira de clientes dessa respeitada instuição de crédito internacional, posso me permitir tratá-lo pelo apelido. Pois bem, parecia que a operadora estava lendo as palavras que me dizia, com a emoção, a pressa e sobretudo o desconforto de quem lê uma lista telefônica ou o cardápio de um restaurante exótico onde não se entende bem de que é composto cada prato. Eu sei que esse automatismo faz parte da proposta, que o operador de telemarketing muito provavelmente é aquele sujeito que não se ajustou a nenhum outro emprego na vida (só assim se compreende que faça este tipo de trabalho), que há metas a serem alcançadas por esses trabalhadores, tipo conseguir tantos clientes em tantas horas de trabalho, que os capatazes modernos que são os superintendentes do serviço não deixam nem as operadoras grávidas irem ao banheiro tanto quanto precisam.

Sei tudo isso, já li barbaridades sobre o trabalho de operador de telemarketing, juro que penso muito nisso toda vez que sou tentado a dizer um palavrão para aquele moço que não resolve meu simples problema de cancelamento de qualquer coisa. Mas o que me intriga mesmo é como tudo isso não faz com que os criadores desses serviços, o pessoal que verdadeiramente vive deles - seus empresários, seus controladores - não percebam a burrada que estão fazendo. Porque se eles entendessem como é sacal, frustrante e aborrecido o serviço de telemarketing tal como ele é praticado, já teriam há muito dado uma flexibilizada geral nas normas de tal serviço.

No dia em que os homens do telemarketing entenderem que a falsa educação do "senhor, senhora", que a dispensável insistência do "tem certeza que deseja cancelar?" e a paciência de fachada do "um minutinho só" são inúteis e antiprodutivas, aí sim é que eles vão ganhar dinheiro. Os homens do telemarketing deveriam é submeter seus funcionários a um belo treinamento em salões de beleza, barbearias, botequins, bailes de debutantes, almoços de família daqueles bem complicados e cheios de brigas entre cunhados. Porque aí sim, nesses ambientes de verdade, se dialogo e se negocia, se avança e se recua, negócios são fechados, propostas são apresentadas e pensadas e repensadas, tudo em linguagem de gente que se comove, fica triste, fica bravo e termina puto, mas sempre exerce sua humanidade.

Agora, esse negócio de "senhor, o Citybank tem uma proposta para a adminstração de sua conta corrente" dita em tom monocórdico de quem engoliu uma secretária eletrônica e está arrotando mensagens não leva mesmo a lugar nenhum. Se levar é, no máximo, a essa baita crise financeira internacional que assustou meio mundo no segundo semestre do ano passado.

Ah, sim: agradeci à gentileza do "City" e mantive minha humilde continha-salário no Banco do Brasil velho de guerra.

2 comentários:

Francisco Sobreira disse...

Tião,
Muito oportuno e pertinente o seu texto. Esses telefonemas que a gente recebe constantemente são uma das pragas modernas. E quando você telefona para uma administradora de cartão, ou para qualquer outra empresa, tem que se munir de uma paciência de dez Jós. Um abraço.

AH, SIM - Quando você tiver que fazer um comentário lá no Luzes da Cidade, é bom que o faça em "comentários blogger". O nome está à direita de quem abre a página, ao lado do local onde você e a maioria dos meus visitantes escrevem. Estou sugerindo a mesma coisa às outras pessoas. Certo?

rosa disse...

Esta semana me perguntaram o que impedia de "no momennnto" eu ouvir a proposta de mais um mega-hiper-poderoso cartão de crédito, isso já depois da primeira negativa. E eu não poderia responder outra coisa: A minha falta e interesse.
A moça do outro lado quase nem agradeceu pela minha "atenção" e se despediu.
e olha que agora eles são menos insistentes...
seu texto está maravilhoso!