quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Para sempre, Taiúva

Ainda bem que a idéia não foi pra frente. Mas, mesmo assim, pense bem: em termos de estragos à cidade, o mínimo que vereadores mal intencionados podem fazer é trocar os nomes de algumas ruas, ou de pedaços delas. Porque, na verdade, enquanto gente atenta bota a boca no mundo para evitar que a Rua dos Panatis, por exemplo, vire Rua Desembargador José dos Anzóis, os vereadores podem muito bem, na surdina e se aproveitando da atenção desviada para outro assunto, mudar de cabeça pra baixo as normas de construção na cidade, que, coitadas, parecem já ter sido bem mais respeitadas. Por isso mesmo, convém continuar de olho aberto.

O fato é que, no calor da polêmica, fui me refrescar olhando o mapa da cidade, via Google, como quem busca informação à distância, e descobri um verdadeiro almanaque sobre os nomes de nossas ruas. A primeira constatação é que daria muito trabalho (e esse é um motivo suficiente para que não tentem de novo) alterar todos os nomes de ruas com palavras indígenas na cidade de Poti. Só ali no Pitimbu (o nome do bairro já adianta que o negócio não iria ser moleza), que é minha praia favorita embora não seja banhada por uma só gotinha do generoso Atlântico que nos limita, há um pequeno dicionário de, vulgarizemos, "ruas indígenas".

Para se chegar lá, é preciso pegar a Avenida dos Xavantes. Uma vez no bairro, temos a Rua Tamboara, a Rua Arabutã, a Rua Serra Icaraí, a Rua Rio Tamamduateí, a Rua Cumaru, a Avenida dos Caiapós e por aí afora, embora muito provavelmente eu já esteja misturando o Pitimbu com o Satélite. De qualquer maneira, o meu endereço preferido, a Rua Taiúva, parece que também está incluído no pacote. Ainda não consegui descobrir se trata-se ou não de palavra indígena, mas a sonoridade me basta. Sem falar no luar, porque o brilho da lua nos paralelepípedos da Rua Taiúva vale mais que a etimologia descrita em qualquer Aurélio, seja de bolso ou daqueles que se usa para encostar porta que range.

A viagem pelas denominações no mapa do Google revela também como são belos os nomes de ruas onde a gente nunca esteve, ou se esteve nunca reparou no nome: Rua Encanto, na Cidade da Esperança; Rua Agrestina e Rua dos Cometas, no bairro Planalto; avenidas Mar Vermelho e Mar Mediterrâneo na Zona Norte. Mas não tem jeito e para qualquer lado que se olhe no mapa, lá está uma rua de nome indígena, como que para fazer vergonha ao cosmopolita senhor vereador que advogava a mudança. Na Zona Norte, assim, de cara, saltam aos olhos as avenidas Itapetininga e Acaraú, sem falar na cabocla Rua Araruna que, assim como a Taiúvas, se não for indígena tem prosódia poética e só por isso já é superior a qualquer Avenida Ranieri Mazzilli, que existe sim, em Felipe Camarão. Pra quem não lembra, esse aí é o nome do deputado que assumiu a Presidência da República quando os militares chutaram João Goulart do Palácio do Planalto em 1964, mas essa já é outra história, bem mais barra pesada.

Acabo de passar por Felipe Camarão e noto que o bairro, de reputação menos nobre, é vasto em belos nomes de ruas, que ironia. É lá que fica a rua que tem um dos mais poéticos e representativos nomes de toda Natal: Rua Mar e Céu. Tem coisa mais bonita? Tem a Rua Peixe Boi, para quem é de espírito mais aquático. Tem a Rua Manágua, para onde podem se mudar os fãs da revolução sandinista. Tem a Rua Arco Íris para o pessoal GLS. Tudo isso em Felipe Camarão que, aliás, não corre risco nenhum de ter o nome mudado por não se chamar, como poderia ser, bairro Poti.

Querem um lugar mais arejado pela maresia da Zona Sul? Só se for agora, em Capim Macio, por sinal um nome de bairro que, mesmo não sendo indígena, também não pega muito bem. Lá estão, uma após a outra, a Rua das Violetas, a Rua das Orquídeas, a Rua dos Antúrios, a Avenida das Tulipas e, ali pertinho, a Rua das Gardênias. Um jardim, pelo menos nos nomes. Os mais sensíveis aos efeitos do endereço no estado da alma tem lugar certo para se instalar: a Rua da Saudade, paralela da Nascimento de Castro, vizinhanças do restaurante Mangai, que é outro de péssimo gosto, mas é propriedade privada e vereador nenhum tem nada a ver com isso, ainda bem.

A propósito, se vereadores tentaram, sem sucesso, mudar parte do nome indígena de uma rua do Alecrim, a gente ganhou uma ótima desculpa para revidar. Que tal propor mudanças nos nomes de ruas que nada tem a ver com a gente? A Avenida Ayrton Senna, por exemplo, bem que podia ter outro nome, bonito e sugestivo como aquela discreta e elegante Rua Céu e Mar. Tudo bem que a Zona Norte tem a Rua Noel Rosa, mas uma coisa é casario com nome de compositor da música brasileira e outra, bem diferente, é via principal com nome de piloto de corrida. No mínimo, pode sugerir uma pisada mais forte no acelerador.

Mas, pensando bem, se a gente tomar esse caminho de associar o nome da rua com a prática que se pode desenvolver só por estar nela, admito que a coisa descamba. Ou você imagina que quem mora na Rua Batuque, no bairro Nordeste, é necessariamente chegado numa festança? Se for assim, feliz de quem vive na rua Altaneira, na Zona Norte. Talvez não seja por aí, pois pode ter sido assim que surgiu entre vereadores a idéia de suprimir o nome indígena de parte de uma rua do Alecrim, como se tal nome espelhasse uma origem tribal que a gente não pode, em nome do bom gosto e da evolução, admitir. Que ela exista, não há o que fazer. Agora, que seja nome de rua, para o mundo ver no Google e nos chamar de nativos, nem pensar.

Vai ser complicado, porque muito mais do que ruas, temos praias bem conhecidas pelo país e pelo mundo que atendem por nomes tão indígenas quanto os tororós e pajeús da vida. Genipabu, afinal, vai virar a Praia Vereador Fulano de Tal? Ainda bem que, pelo menos desta vez, eles recuaram.

*Publicado no Novo Jornal

Um comentário:

titina disse...

Adorei. Vou publicar o link no twitter.