sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O veranico


Depois da (falsa) inexistência de esquinas, da (indesejada) presença dos políticos e do (saárico) período anual de seca, Brasília tem um quarto fenômeno muito particular que, embora bem menos badalado fora do quadrilátero que demarca a capital no mapa do país, é tão característico desta cidade quanto os outros três já citados. Estou falando do “veranico”, que nos ataca neste exato momento e, se não é tão demorado quanto a seca e tão criticado quanto os políticos, certamente é tão presente, concreto e substantivo quanto as esquina que a cidade, contrariando a lenda, concretamente contém.

Não se enganem com a simpatia do nome que os especialistas lhe deram – “veranico”. A palavra sugere um little verão, uma miniestação de calor e águas – uma espécie de temporada condensada de praias (no caso aqui, piscinas e cachoeiras, que as temos muitas), sorvete,novos modismos, novos sucessos na música, na tevê e no cinema e por aí afora, coisas que Ipanema ensinou o país a cultivar sem culpas. Pois não é nada disso: o veranico, embora a palavra sugira o contrário, é, na verdade, um tirano meteorológico que sadicamente tira a paciência e o sangue (nem digo o suor, porque, astuto, o morador de Brasília não é de sair por aí suando, desperdiçando a pouca umidade que nossos corpos ainda conservam, Deus sabe como) dos habitantes dessa cidade.

Em rápidas palavras, o veranico é sim uma condensação – mas do pior que o seu velho pai, o verão, traz para os seres vivos. É, em suma, um período que vai de uma semana a quinze dias em que, sem a menor possibilidade de chuva na atmosfera, o calor mais insuportável se instala sobre a cidade às custas daquela não menos notória massa de ar quente que impede a entrada das massas de ar frias – que são, justamente, as redentoras que proporcionam as chuvas. O curioso é que o veranico não acontece dentro do período clássico da seca brasiliense, mas depois, quando a cidade, incauta, já se deixou enganar pelas primeiras e violentas chuvas. Você pensa que o pior do clima neste ano já ficou para trás e... tome um veranico para deixar de ser besta!

Dadas as explicações literais, vamos às metáforas que são, no fim das contas, o bolo da cereja desidratada. O veranico, meus caros, é assim como aqueles últimos cinquenta metros que separam o atleta matinal do ponto de chegada no cooper obrigatório. Você já vê o local onde finalmente vai poder parar de correr, se desdobra para chegar lá, mas parece que nunca vai conseguir. O veranico é o oitavo mês de gravidez, que faz a gestação de uma criança parecer um processo sem data para acabar, angustiando pais ansiosos e mães pesadas. O veranico é como a fome do meio dia quando o cidadão está a caminho de casa, praticamente à beira de uma hipoglicemia de tão faminto, e cai num engarrafamento que, com redundância e tudo, não sai do lugar. O veranico é como aquelas provas de resistência física que ilustram tantos filmes americanos sobre os preparativos para um soldado se tornar um “marine” antes de cair, completamente confuso, na guerra do Vietnã. Por mais que o coitado se esfarinhe tentando passar em todas as etapas, tem sempre um último teste em que ele, todo sujo de lama, roupas rasgadas pelos arames farpados e auto estima lá nas profundezas por causa dos gritos dos sargentos mais terríveis das telas, ainda precisa se superar caso queira ir morrer com muita honra lá pras bandas de Saigon.

Enfim, o veranico é o último teste de resistência que a providência impõe ao pobre ser humano, como a lembrá-lo de quão ridículo, pequeno, mesquinho e impotente ele é, enquanto alimenta seus sonhos de grandezas. Ou então, se não for tanto assim, é apenas uma piada de mau gosto com que a natureza se diverte à custa de nós outros.
Legenda: na foto que ilustra a postagem, a ponte sobre o lago artificial no Parque da Cidade.

Um comentário:

Anônimo disse...

sebá, pegue rejane e os meninos e venha aproveitar esse veranico por aqui, antes que janeiro chegue...