quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Newman


Não é de bom tom confundir ator e personagem, mas a despedida, esta semana, do senhor Paul Newman abre uma licença temporária para se contrariar esse mandamento do mundo da representação artística. Todas as informações sobre o Newman real que os jornais recuperaram e republicaram por ocasião da morte do ator parecem validar uma certa – e boa – impressão de que o ator e as pessoas que tão bem representou são uma mesma entidade, sobre e em torno da vã vida real.

Paul Newman é uma dessas unanimidades tipo Chico Buarque de Holanda, que as mulheres adoram e os homens, coitados, tentam tanto quanto possível imitar. Conheço um cidadão que já disse à mulher, amiga nossa: "Não admito traições em hipótese alguma. Ou melhor: só há uma situação que eu poderia tentar entender. Era se você me traísse com Chico Buarque." Por falar nisso, tempos atrás, quando Chico Buarque e Marieta Severo anunciaram a separação, essa nossa amiga chegou para o marido e preveniu: "Cuidado, viu? Que Chico Buarque anda solto por aí..."

A anetoda, tão real quanto Chico Buarque e Paul Newman, é só para validar a idéia dessa unanimidade meio casual – essa empatia que o ator americano, assim como o cantor e compositor brasileiro, exala seja qual for o personagem de que esteja investido. Pode ser aquele cidadão alvo de uma denúncia muito suspeita em "Ausência de Malícia", como pode ser o quase ancião que usa a idade avançada como salvo conduto para dizer o que quer e agir como convém em "O Indomável". Também pode ser o marido tenessewiliano de "Gata em teto de zinco quente". E ainda pode ser até mesmo o chefão frio e violento que se esconde por trás do porte daquele mafioso clássico de "Estrada para Perdição". Nunca houve um capo como aquele – cruel, porém estranhamente simpático em seu rosto de concha e sua expressão de monsenhor do mal.

Deixei para o final a lembrança do marginal bom vivant de "Buth Cassidy", aquele comentário humano que usava a paleta dos westerns remotos para ilustrar a originalidade da contracultura do presente – o tempo da ficção conversando com o tempo do momento em que tal ficção era feita. Num filme ou no outro, é como se todos os personagens de Paul Newman compusessem um amálgama que projetava uma imagem simpática do próprio ator.

A imagem de um inconformista tão charmoso quanto discreto, de um rebelde cioso da força de sua sutileza, de um baderneiro por natureza tão perigoso quanto coerente. Uma bela imagem, o legado imaginário que o senhor Paul Newman nos deixa.

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