sábado, 31 de julho de 2010

Pneu no asfalto


Até os túneis de Alcaçuz sabem que o país mudou imensamente nos últimos dez anos. Mas uma coisa é ter consciência – ou uma vaga noção dispersa porém convicta – dessa mudança; e outra, bem mais impactante, é ver, qual um São Tomé embasbacado, as transformações passando na sua frente, como astros de um espetáculo tantas vezes negado. Ou você já esqueceu do espetáculo do crescimento, aquele que primeiramente foi duramente questionado, para depois ser aceito com relutância e em seguida ser analisado como um feito fácil, pela ausência de crises financeiras mundiais que não existiram?

Isso tudo na visão torta dos formadores de opinião de outrora – aquele tempo que já parece distante na poeira da estrada, em que o brasileiro em geral, desprovido de oportunidade na vida, precisava de uma figura deste tipo. Felizmente, ganhamos uma espécie de maioridade civil no estatuto da opinião própria e sabemos que, primeiro, a crise financeira de fato existiu. Segundo, que não foi pequena. Terceiro, que foi administrada de maneira a fortalecer o mercado interno em expansão, neste arranjo possível de cidadania também representada por dinheiro no bolso, e não a seguir cegamente a cartilha dos mandões da economia mundial.

Mas o que se quer destacar aqui é menos a atmosfera intangível do debate econômico às vésperas de uma nova e animadora eleição presidencial e mais a expressão viva e inegável daquela mudança que é do conhecimento até dos três túneis por onde já escaparam bem mais do que dez presos em Alcaçuz. Acabei de fazer uma viagem de carro entre Brasília e Natal, viajando pelo interior do país, correndo o cerradão goiano, cortando o sertão goiano, baiano e pernambucano, xeretando pelo para-brisa os pequenos sítios da caatinga paraibana e potiguar, até chegar aos doces tabuleiros arenosos do litoral aqui da esquina do continente. O que os meus olhos – e os de quem se destinar a fazer essa mesma viagem, por lazer ou por obrigação – viram foi, se não um Brasil já reformado, um país em obras. Obras avançadas, que se entenda bem.

E não se trata apenas de uma reforma do tipo recapeamento de asfalto. Tem disso sim, muito, mas tem principalmente as conseqüências do que uma malha viária nova, associada a outras políticas de governo, provoca na economia do interior brasileiro e, por tabela, na face de quem habita o nosso vasto sertão. O que os meus olhos viram foram estradas impecáveis onde dez anos atrás havia trilhas de motocross com nome de rodovia federal. Foram cidades em notável crescimento, comércio em expansão, manadas de caminhões carregados, uma frota que pareceu inteiramente nova na carga e nas condições, além de demonstrações mais singelas daquele espetáculo do qual tantos duvidaram que são as milhares de fachadas de casas simples visivelmente pintadas há pouco tempo e em cores vivas.

Nem todos os caminhões de algodão e outros produtos agrícolas que tive de ultrapassar naquele infindável interior da Bahia – para exemplificar, num trecho de 100 km, foram 100 caminhões contados – talvez valham tanto para expressar essa renovação do espírito brasileiro quanto uma casinha de beira de estrada estalando de nova na sua pintura reluzente. A pequena reforma da casa onde se mora pode bem ser a etapa final do processo que um economista desapegado vai analisar na sua prancheta de números como conseqüência do crescimento econômico, mas é ali, no verdão chamativo que envolve porta e janela à margem do asfalto que alguém pintou, qual criança com caderno de desenho, seu orgulho derradeiro de viver com um pouco mais de dignidade, inclusive financeira.

*Publicado no Novo Jornal (Natal-RN)

Um comentário:

Titina disse...

É o Brasil de Lula Tião. E ainda tem gente que fala mal do homem.