domingo, 17 de fevereiro de 2008

Diário de férias - 1


Sem planejar, arranjei uma ótima maneira de abrir minha temporada de férias de 19 dias, que incluirá uma semana de Brasília - com os lugares onde a gente nunca pode ir das 15h às 22h dos dias úteis - e a viagem anual (ou seria semestral?) a Natal, com a obrigatória escala em Acari, desta vez com o auxílio luxuoso de uns dias (dois? três? ainda não sabemos exatamente) em Pipa. Como dizia, então, essa tão esperada maratona de tranqüilidade - sim, porque o melhor é passar por tudo isso sem pressa e sem hora marcada - começou no clima certo. Esse clima veio de um filme que comprei em outras férias e - como sempre faço, o atraso é uma das minhas qualidades, vocês sabem - só agora fui colocar no DVD para desfrutar.

Não há filme melhor para quem está atazanado de estresse - na verdade, depois de tanto esperar por essas férias já nem estou tão estressado assim, só um pouco ansioso - do que esse. Vocês já viram a capa aí ao lado, já sabem qual é o filme, de maneira que esse pastiche de suspense é só parte da minha prosa reticente com a qual os senhores já estão acostumados - fenômeno, diga-se, que se agrava sempre em temporadas assim, pré-férias ou quase feriados.

Pois até essa prosa reticente bem vem a calhar no caso aqui em questão. Explico: mas primeiro tenho que dizer, sem reticências, porque "O Grande Lebowski", filme dos irmãos Ethan e Joel Coen, é uma ótima pedida para você também iniciar suas tão esperadas férias. 1) porque, em se trantando dos irmãos Coen, é um saudável exercício de non sense; 2) porque em se tratando de um exercício de non sense executado com a competência de sempre pelos irmãos Coen, é um daqueles filmes de personagens que trazem as figuras mais inusitadas para compor uma comédia tão despretensiosa quanto original; e, mais importante, 3) porque o tal Lebowski, que prefere ser chamado apenas de "O Cara", é o melhor cicerone para quem está meio assim de olhão arregalado depois de tanto esperar, se perguntando em estado de catatonia absoluta: "E agora, que é que eu faço primeiro?"

Relaxe, que Jeff Brigdges vai lhe explicar tudinho. O mais provável é que ele diga: "nada". O filme é "antigo", do tipo que passou no cinema, depois saiu em vídeo e agora tá nas prateleiras de DVDs das Americanas, esse celeiro de velhas novidades onde eu sujo sempre minhas mãos. De maneira que a história é por demais conhecidas. Até porque não há muita história. O que há, entre uma paródia do filme policial noir (mas uma paródia que se respeita, nada de ficar só citando os outros que aí já é coisa de sanguessuga) e uma canção de Bob Dylan, é um sujeito desempregado, preguiçoso, relaxado e que passa os dias chapado jogando boliche com outros dois amigos tão curiosos quanto ele. Mas reparece no detalhe: ele não é nem entediado nem esnobe, só quer ficar na dele, ora! O resultado disso é um intensivo sobre como levar a vida na flauta. Claro que o filme não explica de onde "O Cara" tira dinheiro para pagar a comida que o mantém de pé - ele está muito mais preocupado com a perda de um tapete de estimação onde costumava deitar para viajar ao som do Credence. O resto é silêncio - quer dizer, indispensáveis reticências sem as quais a vida vira uma grande prestação de contas.

E vocês devem estar achando que eu me influenciei demais no filme pra escrever essas coisas assim meio indefinidas. Também explico: é que "O Grande Lebowski" é uma grande reticência. Nos extras, os irmãos Coen dizem que seguiram a estrutura narrativa do romance policial americano clássico, que apresenta um novo personagem a cada capítulo, compondo uma trama episódica. Pois o que me chamou a atenção revendo o filme pela terceira vez - e, acho, me divertindo ainda mais do que nas vezes anteriores - foi o caráter reticente de tudo aquilo lá. Isso está no fiapo de história que avança só um pouco para logo se perder numa viagem de Jeff Bridges, como está também - e principalmente - nas falas do personagem central. "O Cara", coitado, nunca encontra as palavras certas para expressar o que está pensando. Quando acha alguma coisa, inevitavelmente se perde no meio do caminho e deixa de novo tudo inconcluso. Lembra um pouco aquelas piadas sobre a prosódia de Gilberto Gil (com as quais eu nunca concordo; devo ser o único habitante do planeta a conseguir acompanhar tudinho o que diz o ministro - e ele sempre diz coisas que deveriam ser melhor ouvidas).

O que mais eu fiz no meu primeiro dia de férias além de rever "The Big Lebowki"? Nem precisava, né? Passe nas Americanas, cate, procure, investigue e se encontrar uma cópia, invista 12 contos em uma hora e pouco de diversão pop-surreal. Ah, sim, à noite, terminei de ler outro livro - algo sempre bom para se fazer no primeiro dia de férias, especialmente quando o livro não é lá essas coisas. "A palavra náufraga" é uma coletânea de textos sobre cinema escritos pelo crítico/jornalista Antonio Gonçalves Filho. É coisa passada, que encontrei no sebo, onde sempre sou atraído para a estante de publicações especializadas em cinema. Dessa vez, não funcionou. O livro republica textos do crítico já estampados em jornais sem sequer se preocupar em apagar os registros temporais - e tome "que estréia hoje em São Paulo". Tudo bem que ele avisa sobre isso nos preâmbulos, mas nem assim, não é? Tão rigoroso na avaliação dos filmes e tão relapso na edição dos próprios comentários.

Além do mais, é uma crítica do tipo "Ilustrada dos anos 80". Esnobe e discricionária, passa ao largo de qualquer tipo de cinema com um mínimo apelo popular, uma qualquer empatia com o público médio. Bom mesmo só os mais inacessíveis. E os "iniciados", vocês hão de desconfiar, nem sempre estão com essa bola toda. Muitas vezes estão apenas em busca de distinção. Segregação pode ser uma prática tão cultural quando social. O que ficou foi apenas uma vontade de rever alguns filmes da época, como "Noites de Cabíria" - e só. Ainda bem que, enquanto os olhos se encarregavam de fechar esse livro, os ouvidos se abriam para coisas boas, iniciáticas ou não. E nem preciso dizer os nomes: veja na postagem seguinte as capas dos CDs que o recado tá dado. E até o próximo Diário de férias.

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