segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

In technicollor

Começa com uma manhã de sol depois de uma noite ligeiramente chuvosa. Ou então com a música de um velho disco que, não sei por quê, dá na telha e a gente bota pra tocar. Ou ainda por meio daquela lombra orgânica que bate no corpo e na cabeça depois de uma caminhada mais puxada. Há vários portões para ela chegar, dos casuais aos mais enfeitados de expectativas. O fato é que, dezembro encerrado e janeiro plenamente instalado em sua cadeira novinha em folha, ela chega, toma assento e espalha seu perfume pelo ambiente inteiro.

Não se trata de uma pessoa, mas de um sentimento: ela, essa visitante anual que nunca falha, chama-se "saudade boa de Natal", ou "vontade de passar um tempo vivendo como se a praia estivesse ali na quadra ao lado", ou ainda "urgência de rever amigos". Pois é, meus amigos, ela chegou e já estamos, como sempre, nos entendendo muito bem. Outra noite, por exemplo, ouvi extasiado o CD de Babal, o segundo, aquele que começa com "In technicollor" - canção emblemática para a minha memória, pois que transporta de imediado para os idos de 1983, ali entre os cajueiros da escola agrícola de Jundiaí, onde eu costumava ouvir essa música no meu Motoradio AM, na programação da Rádio Nordeste de Natal (ou seria na velha Cabugi?), na voz e nos intrumentos dos caras do Flor de Cactus.

Nessas horas, ela é uma soberana pisando na minha pobre alma exilada. Achei pouco e botei, logo na seqüência, o CD de Cida Lobo que Rejane adora. Rejane, por sinal, veio lá do quarto dizer que eu só podia estar de sacanagem de botar aquele disco aquela hora, naquele final de noite, daquele jeito enfim. Rimos e dividimos com ela esse momento de rememoração feliz - "sábado é dia de feira lá no Alecrim..."

Quando ela chega, traz com ela um monte de coisas com as quais combina: a lembrança do sorriso de Titina, a calçada da casa de Dona Isabel, as poças d'água que a chuva noturna deixa nas pedras do Guaíra, o ventinho da rua Princesa Isabel, a quentura da casa de Sandra em Acari, a conversa anual com Ana Nossa Mana, a risada de Leônia Régia, a visita a Adriano e Flávia, a ansiedade de Rafael, o papo meio telepático com Max, o astral sempre elevado de Fátima (ou Fá, como abrevia Rê), o sorvete da lanchonete Chapinha, a fumaça dos ônibus na Ulisses Caldas, a comida do restaurante Farofa d'água em Ponta Negra, o prazer de comprar livros e DVDs no Miduêi, além dos imprevistos que fazem parte dos passeios improvisados rumo ao litoral norte ou ao sul.

A lista poderia ser maior mas o breve registro acima já deve ser suficiente para expressar a qualidade do clima que se instala quando ela chega. Sempre muito bem-vinda, sempre a mesma e no entanto sempre renovada.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sempre admirei esse sentimento de vocês. Primeiro pelo interior, depois estendido à Natal. Acho realmente lindo isso de ter raízes, sentimento por uma terra. Eu nunca consegui ter o "I'm proud to be carioca". Nascido, criado e sem saudades. Depois, quinze anos de Natal. Adolescência, juventude, faculdade... tudo amado, mil histórias guardadas em minha memória afetiva, mas poderia passar o resto da vida sem pisar lá. Depois Brasília (que adoro!), agora Campina Grande (me dando o lugar até então mais perfeito para escrever), amanhã... amanhã sei lá onde. Parece que nasci pedra, dessas bem redondas, ou centopéia, louca para pisar mil chãos. Levando em mim um pedacinho de cada lugar. Let's roll, baby, let's roll.

Anônimo disse...

também ando com saudades do nosso papo anual, sebá. apareça! aliás, apareçam. falando nele, nosso papo anual, leônia régia, que costuma acompanhá-lo, anda longe daqui. vou contar onde ela anda num e-mail, que não sei se ela me autoriza a tornar isso público...
beijins.

Anônimo disse...

Sebá!
Está lá em Zeca Baleiro: "a saudade é Brigitte Bardot, acenando com a mão num filme muito antigo..."
Belas recordações
Abraço
Carlos Magno