quarta-feira, 8 de abril de 2009

Velhos carnavais


Nem tão velhos assim: mas o texto abaixo é um sinal de que o blogue está ficando mais calejado pelo tempo. O mesmo tempo que vem faltando para a atualização que os leitores que restaram talvez esperem. Dito isso, está justifica a reprise - ou melhor, a memória, já que o texto abaixo nunca foi postado no Sopão, embora seja um remanescente de um antigo boletim enviado aos amigos por e-mail na era pré-blogue.


As pontes musicais de Pernambuco


Lenine queria aparecer. Era sexta-feira de carnaval em Olinda e o galego cismou de fazer, diante de uma multidão no Varadouro, um show só com voz e violão. E fez. E foi muito legal. Cantou praticamente todas as faixas do CD "O dia em que faremos contato". Só ele e o violão, num palco onde cabia uma orquestra de frevo, um maracatu e ainda sobrava espaço. E mais: esse happening acústico-radical veio logo depois da energia de dona Selma do Coco e suas pastoras endiabradas. Dá pra imaginar? Não, só estando lá pra ver.

Foi um belo show, mas foi só a primeira parte. Depois, lenine chamou ao palco a orquestra de frevo do maestro Formiga. E aí atacou com um pout-porri de frevos pernambucanos. Frevos belíssimos, históricos, marcantes. Claro que incluiu o hino do carnaval de Olinda e Recife neste ano: "Madeira que cupim não rói", de Capiba, o mais cantado, o mais lembrado, o mais festejado desse carnaval. Na terceira parte do show ele chamou, além da orquestra, o maracatu Nação Pernambuco e atacou com algo como uma ciranda. Era uma lembrança às duas perdas do carnaval pernambucano do ano passado: Capiba (a tradição) e Chico Sciense (a evolução). Emocionante, de novo. E finalmente, na última parte do show, veio o que a gente pode chamar de "a experiência". Sabe aquele momento em que você assiste a alguma coisa que você sabe que ficará marcada para sempre na sua memória? Sabe quando você pressente que está presenciando um momento raro, único, que nunca mais se repetirá? Pois é, foi o meu Woodstock. Lenine, o maracatu Nação Pernambuco e a orquestra atacaram com "A ponte". O povão - povão mesmo, fedendo a suor, preto-mulato-muito-pouco-branco - ficou doido. Aí botaram uma escada do palco pro chão. Lenine grita: "Carnaval é na rua, no chão, e sem corda". Os integrantes do maracatu começam a descer do palco pro meio do povo. Desce gente, desce estandarte e "A ponte" fazendo a trilha sonora. Depois, desce o próprio Lenine. Nessa hora ( "a ponte não é pra ir nem pra voltar...") desaba sobre Olinda uma chuva de dissolver catedral feito pastilha de Sonrisal. Parecia que a chuva havia sido "produzida" com antecedência, horário marcado junto a são Pedro, cachê pros anjinhos do céu, tudo acertadinho para compor o quadro. A "experiência". Aquela escada do palco pra platéia era uma ponte. Ainda debaixo de chuva, eu e Rejane fomos procurar um "alternativo" pra voltar pro hotel lá no outro lado da cidade, em Piedade. E aquela música, como os pingos da chuva, não me saía da cabeça: "como é que faz pra lavar a roupa? / vai na fonte, vai na fonte / como é que faz pra raiar o dia? / horizonte, horizonte / e esse lugar é uma maravilha, mas como é que faz para sair da ilha /pela ponte, pela ponte..."

Voltei do recife com um pacotinho de uns seis cds, que catei cuidadosamente no domingo de carnaval, depois de encher o saco de esperar o Galo da Madrugada (aí já eram umas duas da tarde) passar no centro da cidade. Trouxe um disco que foi feito em homenagem a Capiba, no qual Alceu Valença canta "Madeira que cupim não rói" com acompanhamento levinho. Rejane tratou de garantir um cd do Bloco da Saudade, que ainda não ouvi. Também enfiei no mesmo saco o cd da banda mundo livre s/a.


Identidade


Os três shows daquela sexta-feira (antes de Lenine, como disse, teve dona Selma e ainda o Véio Mangaba, um clone atualizado do Velho Faceta) fiquei impressionado com esse espírito do povão pernambucano. Aquele povo tem uma profunda capacidade de auto-identificação. A impressão que dá é que não estão nem aí pra copiar ninguém. São eles mesmo quer isso esteja na moda ou não. Durante o show do Véio Mangaba, um grupo formado por uns seis adolescentes que estavam bem na frente da gente se organizou assim, do nada (a única coisa "produzida" que todos tinham era uma sombrinha de frevo na mão) e deu um show à parte ali mesmo no chão, imprensado entre aquele monte de gente. Dançavam frevo de uma maneira que eu nunca havia visto: mal tiravam os pés do chão, os movimentos eram bem sutis e no entando o resultado era muito interessante. Uma garota comandava o grupo todo e, no que ela mudava de passo, a gente via aquelas sobrinhas fazendo um desenho diferente no ar. Depois, durante o show de Lenine, outro sinal dessa profunda identificação do pernambucano com as suas coisas. Quando o artista começou a cantar "Leão do norte", um negão que tava ao lado da gente soltou um grito: "... é o hino. É o hino nacional de Pernambuco!"

Isso me fez pensar: qual é o hino nacional do Rio Grande do Norte? seria "Praieiras, dos meus amores..."? Seria alguma das baladas negras de Pedrinho Mendes ( "Linda Baby, volte sempre aqui") ou seria uma das faixas de um velho LP fora de catálogo do grupo Flor de Cactus? Ou seria ainda a música que fala da capelinha numa Serra do Seridó? Cansei de escrever, acho que vou dormir para amanhã levantar cedo e acordar os vizinhos tocando o cd da banda Alphorria.

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