terça-feira, 21 de abril de 2009

Meu caso com Brasília


No princípio, bem lá atrás mesmo, Brasília era o Eldorado onde morava o tio-herói da família da minha mãe. O vencedor, o que foi mais longe, provavelmente rico na medida que se tinha sobre o que era ser abastado, o que era ser pobre e o que era ser remediado. De tempos em tempos, mas bem de tempos em tempos mesmo, ele aparecia em viagem de visita à família. Sua chegada era algo tão raro - tão esperado, tão revestido por uma aura de acontecimento singular na vida da família - que, de fato, mesmo, só lembro de tê-lo visto uma vez. Apenas uma aparição ultravalorizada, assim como um filme de um genial cineasta bissexto que a gente cultua. Quando Duda, meu tio de Brasília, finalmente veio nos visitar eu devia ter o quê - uns nove ou dez anos de idade? Lembro que foram servidos refrigerantes em quantidade além do extraordinário, cerveja para os adultos (meu tio e meu pai), com toda certeza uma galinha caipira, tudo isso muito provavelmente bem no finalzinho da festa de São Sebastião, na data do meu aniversário. Muito se fala sobre antigas, desaparecidas ou mitológicas civilizações, como Atlântida ou os Maias. Meu tio de Brasília era algo assim, como um representante de uma dessas metrópoles extraordinárias que de repente chegava lá em casa, com aquela majestade dos membros da família que tinham ido viver no "sul". Ele representava um outro país, quase um planeta diverso, que falava diferente, não se vestia como a gente e no entanto, para nosso mais profundo orgulho, era gente nossa.

Por tudo isso, cresci com uma impressão particular sobre o que seria Brasília - aquela cidade extraordinária que meu tio ajudara a construir e onde morava, em condições inimagináveis para mim e meus vizinhos de rua sem calçamento e vizinha de um curral de boi, demarcada ainda por um conjunto de pedras pretas gigantes e um paredão de aveloz que o tempo e o homem se encarregariam de liquidar. Um dia, meu pai precisou ir a Brasília para trazer de volta minha avó, que este meu supertio havia levado para uma cirurgia de catarata - um luxo médico que somente em Brasília seria possível. A viagem do meu pai a Brasília demorou semanas, ao menos na minha precária memória infantil, ao longo das quais minha mãe chorava como uma desesperada na janela da cozinha. Não era uma viagem qualquer - era uma espécie de epopéia sujeita a toda espécie de agouros. Uma coisa que mexia com o destino das pessoas, digna de despedidas, súplicas e orações. Brasília ficava muito longe, não se viajava de avião como hoje em dia.

Meu pai voltou em segurança trazendo minha avó, mas algum tempo depois, quando eu já era maiorzinho, foi minha mãe que precisou ir a Brasília novamente para trazer minha avó de volta de outra temporada na casa do supertio. A época e minha idade de então já não abriam espaço para a embalagem dramática dos tempos da viagem do meu pai. Agora, o que Brasília inspirava, de tão longe, era outro tipo de expectativa. Minha mãe voltou falando das brigas caseiras dos meus dois primos, filhos do meu supertio, pelos canais de televisão. Um queria assistir a uma coisa, outro sempre queria outro programa. Era o tipo de escolha que não havia na minha cidade de apenas um e bem prejudicado sinal da velha Rede Tupi de Televisão, com repetidora da programação de Recife. Minha mãe também trouxe outro luxo, uma foto dessas de máquina instantânea, que mostravam ela e a cunhada posando em frente à catedral de Brasília. Havia, na modernidade do tipo de fotografia e na luz da imagem que ela trazia impressa, uma atmosfera de futuro, de uma cidade fascinante onde eu, meu pai e minha mãe jamais poderíamos ter a pretensão de morar.

Nos anos oitenta, já trabalhando como jornalista em Natal, arranjei sucessivamente dois amigos que haviam vivido experiências diferentes em Brasília. Jano Sérvio fora do quadro da Polícia Federal antes de se infiltrar de vez no jornalismo via UFRN e, como tal, havia morado em academias de polícia de treinamento especializado na capital do país. A Brasília de Jano não era muito glamourosa - nem mesmo muito citada, que meu amigo, como bom piauiense, preferia mesmo era a brisa litorânea de Natal. E o outro amigo, Carlão - nosso Carlos de Souza -, por outro lado, tinha verdadeira ojeriza a Brasília, onde passara alguns meses a dois passos do suicídio, se vocês me permitem o exagero da imagem. Brasília, definitivamente - e hoje isso é muito claro pra mim -, é uma cidade que não combina com Carlão, o que, na época, gerou os péssimos comentários habituais sobre a cidade - do tédio, da falta de bares, da inexistência de esquinas, da tristeza, da burocracia, dos políticos, tudo coisa que Brasília de fato tem e não tem, dependendo apenas da perspectiva de quem adota a cidade como lugar pra viver ou é adotado por ela, o que também é algo muito mais comum do que se imagina.

Foi preciso que um terceiro camarada - Adriano de Sousa, que também havia vivido aqui e gostava, até hoje aprecia as manias urbanas da capital - surgisse no meu caminho para que Brasília deixasse de ser tanto a cidade inacessível do tio "vi, vim e venci" da família quanto a capital do tédio e da impessoalidade de que me falavam outros amigos. Foi a partir de meados de 1995 que Brasília se tornou ora um poema concreto na minha vida, ora a crônica de uma cidade muito mais comum do que se imagina e onde, pelos intrincados itinerários que a gente percorre na vida, eu acabei me estabelecendo já lá se vão 14 anos a se completarem agora em junho. Hoje, precisamente na data desta terça-feira, 21 de abril, é Brasília que comemora os 49 anos. Tem festa na Esplanada, um clima de gratidão nos gramados da Torre de Tevê, céu bem azul de início de seca e muita gente na rua. E esta é a minha modesta, dispersa e praticamente anônima contribuição ao aniversário da cidade. Mas é de coração.

2 comentários:

sandra disse...

tião vc falando de qdo foi para brasilia senti até saudades da primeira vez que fui aí ,Rafael não falava nada, era pareçido com Bernardo hj e Raísa toda eufórica estava numa fase super curiosa principalmente de banheiros publicos nunca irei me esqueçer do aperto que passamos com ela no parque da cidade.mais nossa capital é assim tem seus encantos e desencantos

Clotilde Tavares disse...

Bem, eu adoro BSB e ainda acho o clima´ótimo, pois só respiro direito naquele ar seco e esturricado. faz uns dois anos que não vou lá... Tenho saudades.