terça-feira, 1 de junho de 2010

Desistimos?


Tem um novo alvoroço tomando conta da alma natalense. Uma angústia inesperada que tira o sono da cidade. Uma ansiedade de anteontem fazendo disparar o coração das artérias urbanas. É a Copa, as obras da Copa, a agonia do prazo da Copa, a tremedeira do relógio da Copa, a contagem regressiva da Copa. Parece até que 2014 é amanhã. Há uma espécie inédita de pressa no ar. Um desespero antecipado. Quase uma confissão precoce de incompetência crônica. Como se um grande pedido de desculpas ("foi mal, mas não vai dar pra cumprir o prazo") pairasse em faixas no céu do domingo sobre a praia lotada. Um clamor coletivo pela desistência. Um imenso "deixa pra lá" de quem teme não dar conta do recado.

Ocorre que a expectativa por ser uma das sedes do grande acontecimento do esporte mundial é tamanha que, se o sujeito – digo, a cidade – não tiver estrutura psicológica para segurar a onda, desiste mesmo. E é neste ponto em que empacamos: é bate-boca com gente reclamando da organização (ou da falta dela), é uma dúvida hameleteana antecedendo a derrubada de uma creche que nunca despertou maiores interesses, é o embate entre a resistência dos que querem conservar símbolos urbanos como o centro administrativo e outros que não admitem perder as oportunidades que uma Copa do Mundo oferece. Enquanto isso, é fato que nada de concreto parece acontecer – especialmente quando se fala de concreto mesmo, armado, de construção civil. O que só aumenta a ansiedade.

A verdade é que, com Copa ou sem Copa, o espírito desta cidade vem sofrendo deste tipo de aflição há um bom par de anos. Sinal de que nossa personalidade urbana mudou. Até meados da década de 90, Natal era como um cara tranquilão – não exatamente um rato de praia despreocupado com a vida, mas um sujeito que aproveitava o que a cidade lhe oferecia. De lá pra cá, é como se esse garotão tivesse crescido mal e assumido responsabilidades para as quais não estava exatamente pronto. Resultado: o aldeião praieiro daquela época virou um executivo estressado, que precisa pensar mais em dinheiro e acumulação do que em domingueiras e tábua das marés.

Eis que, para completar o quadro, anuncia-se que o Brasil sediará a Copa do Mundo de 2014 e que Natal será uma das cidades onde os jogos serão disputados. É muita exposição para quem estava na sua – e esse, infelizmente, nem era mais o nosso caso. A gente já não estava na nossa há tempos. Há anos a gente já estava sofrendo com a ansiedade global de atender às expectativas de ser uma cidade de marcas, grifes, granas e bossas à altura das demais.

Mas tem um jeito simples de reverter – ou ao menos controlar – essa doença urbana de proporções inesperadas. E mais uma vez é o passado quem pode nos ensinar a lidar com um problema atual. Pois bem: se a Natal matuta dos anos 40 segurou a onda de "sediar" uma base aérea internacional para ajudar os aliados a derrotar os nazistas de além-mar, porque iria submergir como um suicida covarde diante da onda da Copa que vem aí? Jovens, conversem com seus avós e no lugar da banalidade da palavra consumo, descubram embasbacados o valor do substantivo coragem. Banquem os enfermeiros e usem as tais redes sociais para medicar o doente, dando-lhe um mínimo de força diante do desafio de estar com as obras prontas e a saúde em dia para 2014. Ou então ajudem a jogar a toalha – e mais uma vez reafirmar a autopiedade de quem acha que nada aqui vai pra frente. Seja um campeonato de frescobol em Ponta Negra ou a Copa do Mundo no tal estádio que nunca sai do chão.

*Publicado no Novo Jornal (Natal-RN)

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