quinta-feira, 30 de julho de 2009

Palavra de simpatizante


Meu partido é mesmo um coração partido. Não tenho fichinha de filiação, nunca participei de plenárias, minha opinião não vale um pitaco na escolha dos candidatos a candidatos a vereador, prefeito, deputado, mas o fato é que valorizo muito, sobretudo de alguns anos para cá, a minha condição de simpatizante de uma agremiação partidária chamada Partido dos Trabalhadores, a cada dia que passa mais espezinhada como aquele reles "petê", que os bossais pronunciam entortando a boca com um esgar de nojo. Pois quanto mais o fazem, mais aumenta minha simpatia. Aumenta até mesmo quando a figura que mais deveria limpar a barra desse partido faz exatamente o contrário, que é subjugá-lo sob o peso de uma polularidade acachapante. Pois é, quanto mais batem no PT, mais eu se sinto na obrigação de simpatizar com ele. Mesmo que a porrada venha de um filiado como Lula.

E o velho PT está de novo numa daquelas cruéis encruzilhadas cíclicas - e cívicas - como tantas outras que marcaram sua história. Vamos em ordem cronológica: a primeira grande bifurcação no caminho dos petistas se deu na metade da década de 80, com o partido ainda se firmando ideologicamente no quadro político brasileiro e aquela escolha de Sophia que era ir ou não ao colégio eleitoral. Apoiar ou não a eleição indireta de Tancredo Neves dentro dessa instituição da ditadura, usando o instrumento que os próprios generais criaram para subverter definitivamente o sistema que impedia as diretas para presidente - e que poderia dar um fim a tantos anos de ausência de democracia? O PT e seus simpatizantes reviraram-se por dentro, viram a luz e a escuridão ao mesmo tempo, raciocinaram em tática e estratégia enquanto davam um passo rumo à aliança e dois para trás na direção da pureza ideológica igualmente necessária. Era um dilema, um coração partido que resultou na expulsão de três quadros, entre eles Airton Soares e a nossa mais doce parlamentar, a atriz Bete Mendes. Doeu pra caramba, mas conseguimos ficar inflexíveis ante a euforia midiática e coletiva. Perdemos a festa da eleição de Tancredo mas involuntariamente antecipamos, ainda que base da ironia, o caos que viria a seguir, com ele, ele mesmo, Sarney, na Presidência da República.

Sempre ele, Sarney (e isso não quer dizer que estou ignorando Efraim, demos e companhia, iguais detendores da máquina do Senado por tantos anos, mas a questão aqui ainda não é esta e não convém cortar o raciocínio). Um mandato de cinco anos depois, superinflação galopante superada e cá estamos nós, os aloprados petistas, às voltas com mais um dilema relacionado com a figura do bigodudo cacique maranhense. Um dilema que, à medida que vai se estabelecendo, ganha uma dimensão tão importante quanto aquele de 1984/85. A pergunta que agora racha os corações partidários é: vale a pena fechar os olhos aos desmandos dos donos do Senado para garantir o apoio do PMDB à candidata Dilma no próximo ano? Ou é melhor entregar o marimbondo de fogo aos tubarões, ajudando a encerrar a história de mais uma oligarquia brasileira que já deveria ter morrido de velha, a exemplo do que aconteceu com ACM na Bahia? Da para fazer isso, mesmo correndo o risco de a oposição fazer sua parte e passar a disparar das vidraças do Senado aqueles torpedos de potência máxima com que mais de uma vez já tentou acertar o alvo Lula no Planalto?

É duro encontrar a resposta - mas já dói o bastante a simples formulação da pergunta. Quase oito anos de mandato depois, ainda estamos nesse pé? Avançamos socialmente, demos saltos econômicos e, sim, é inegável, abrimos mão de muitas mudanças estruturais que fizeram parte dos nossos planos partidários durante anos, mas mesmo assim, tudo contado, por que politicamente, no plano da micropolítica mais contaminada, ainda dependemos de acordos desta natureza, com um PMDB e um Sarney tão pouco dignos de confiança? Não gosto de dissidências fáceis, até hoje não vejo com simpatia o "banco de reservas" formado por Cristovam, Marina e Suplicy curiosamente no mesmo Senado de que estamos tratando aqui. Mas o fato é que, sinceramente, neste momento, desmancharia o dilema e repararia os cacos do coração partido dando apoio a Aloisio Mercadante que neste momento representa as reservas mínimas que nos restaram. Mais ele do que Tião Viana, que reage mais em termos de derrota pessoal do que de indignação política.

Tudo isso lembra uma crise menor, mas sempre um dilema como o atual e tantos outros. Lembra quando o PT nacional passou por cima do PT fluminense e obrigou o partido no Rio de Janeiro a apoiar a figura exdrúxula de Garotinho? Naquele momento, também doeu muito - mas nem por isso a gente deixava de tentar enxergar a estratégia nacional, a ambição necessária de alcançar o poder que é inerente a qualquer partido. Era um sacrifício, não diria menor - pois que doeu como todas as hemorragias - mas parecia que valia a pena pagar aquele preço, afinal a política não é linear como pensa o ingênuo nem exata como quer o apressado (ou seja, todos nós, simpatizantes, no fundo um bando de antipolíticos erráticos ajudando a iluminar no grito o quadro geral dos acordos).

Agora, neste momento, este simpatizante espezinhado, esse aloprado involuntário aqui atrás da tela desse computador desabafa: é doloroso confirmar que meu partido insiste em ser, após oito anos de poder, ainda um coração partido. Lula não precisava tanto de Sarney, assim como Fernando Henrique também nunca precisou tanto de ACM. Precisava mais era ouvir a voz silenciosa do partido, como o outro falou quando se referiu à voz rouca das ruas.
Palavra de simpatizante. Que vale muito pouco, mas pode ser sempre um voto sintomático.

Um comentário:

tete bezerra disse...

Tião,belíssimo texto,expressa o que penso,ainda bem que o pt se tocou a tempo,não há como salvar o bigodudo,se bem que a gente sabe que sarney é só mais um.